Produção Multimídia, Narrativas Livres e Ativismo Open-source, por Daniel Pádua
1) Imaginários + Seu Estrelo + Multirão + Índios Pankararu. Festejos em convergência intensa.
2) Enquanto isso, no Ministério da Cultura,
entra o novo coordenador de comunicação chega bradando: “porque não
fazemos um concurso de blogs e enfiamos mais podcasting no site?”.
Murilo saltita, e um tripé de comunicação pessoal livre se adensa:
estratégia + infra + ações internas.
Quando eu saí remendando os preceitos do conhecimento livre (via remix
em rede colaborativa) em tudo quanto é ação humana, buscando reconhecer
e expôr os elos de uma cadeia social qualquer, e chamei de terras livres
a ação necessária pra criar uma agregação social totalmente fundada no
compartilhamento simbólico/técnico/artístico, do uso do chão à produção
de comida, da geração de energia à construção de foguetes, eu pressupus
que um perfil sensível mínimo era necessário para se engajar-sustentar-escalar uma dinâmica dessa: o nartisan (artesão de redes). Sabendo que, obviamente, a dinâmica faz o nartisan e vice-versa.
Posteriormente, parti observando situações “nartisan” por aí. Já havia encontrado os articuladores-tuxauas, mas ainda faltava algo na agregação deles. Os encontros-rituais festeiros,
expressão básica de interação e convivência, onde nada importa a não
ser o remix de sentidos, pela arte/técnica/toque. Aquele jogo
lúdico-social mais fundamental pra minha vida. O Sinapse Digital foi um deles e as oficinas implementadoras dos Pontos de Cultura também o pretendem ser (e devem conseguir). Mas ainda os sinto pouco focados no contato orgânico das pessoas. Vivi minhas interações sob um excesso de cuidado e de eletricidade/inorgânico
por muito tempo. Quero reduzir a complexidade técnica da mediação nas
minhas relações, assim diminuindo as travas para entrar em contato com
o outro. E vejo um mundo onde essa mediação olho-no-olho, boca-a-boca,
ainda é o costume mais básico, mais irresistível-fulgurante. Mas são
interações prisioneiras da complexidade técnica do nosso mundo
altamente controlado por oligarquias.
Tentando delinear uma dinâmica de resistência, que estimulasse o
nartisan através de relações compartilhadas, para aumentar o contato
orgânico na minha própria vida, pensei em L4N, que por muito presa à tecnologia digital, cresceu para Entrementes,
reconhecendo que tratam-se de várias dinâmicas fundadas no remix e a
ebulição/remix constante destas próprias dinâmicas. Num mundo altamente
acostumado à mediação eletrônica, uma nova mídia deve existir para
comportar estas movimentações. Uma Internet inteiramente livre e projetada para a agregação emergente dos pensamentos e expressões. De livenodes
costumo chamar essa infra-estrutura esperta, e estou há 6 anos pensando
e trabalhando com meu pífio conhecimento técnico para implementá-la.
Não, não estou falando necessariamente de computadores, mas de
agregação constante e aberta de representações simbólicas. Use a
tecnologia que quiser.
Percebidos (e ruminados sem trégua) os elementos básicos da dinâmica,
eu continuo a circular onde posso, conjurando e vasculhando relações
que me levem ao meu nartisan. Nesta caminhada, que, pra mim é a
essencial, cheguei a Brasília. Disposto a viver estes encontros-rituais
festeiros nos Pontos de Cultura. Mas por um desvio estratégico (ou
seria o destino?) não pude adentrar o circuito social dos pontos com a
intensidade que almejava. Isso não barrou a aglomeração dos imaginários, que emergiram da grande amizade que cultivo com o Daniel Duende (seu cabeção da porra), e agora com toda a teia de incandescentes que pude conhecer em Brasília. Uma vez sentido o sentido
dos rituais que todos queriam, fizemos alguns saraus de remix onde tudo
é compartilhado para criar universos míticos comuns: obras,
performances, nuances. A partir disso, os laços se adensam e novas e
mais profundas construções sociais florescem. Mas eu entrei numa crise
relacional forte que minou meu ânimo, e não consegui mais agitar outras
reuniões… sim, sou uma pessoinha fraca e tudo em mim (e em você?) interdepende. Entretanto, o tempo não cansa de assistir, e (da pior maneira) retomei meu fluxo. Sozinho.
De volta a mim, dolorido e frágil, me encontro numa tarefa árdua. Reencontrar o sentido/vontade de viver meu nartisan,
e continuar costurando a colcha a partir do fio da meada perdido num
cantinho do passado. Aquela que leva ao coração livre e em seguida às
terras livres. Mais uma vez, a sensação que Deus constrói caminhos
entre os que se procuram… fui praticamente engolido por um rodamoinho
de imaginários do cerrado: o pessoal do Multirão (agregação de cultura urbano-hip-hop) e do Seu Estrelo e o Fuá do Terreiro (ação de construção mítica e festejo das vertentes culturais brasileiras no cerrado), que conheci através do baiano Max Rodrigues,
outro nômade-nartisan que se enfresta no Ministério da Cultura. Duas
semanas em festas, viagens, encontros e conversas com essas pessoas
amadas, e percebi na interface entre todos eles e o movimento
imaginário que comecei com o Duende. Agora, o conceito se expande e o
valor dos mitos/folclore/legado bate forte para completar o que faltava na minha percepção. Toda religião tem seus personagens e cenários. The bottom line.
Começa uma nova fase. O “ritual imaginário” expande/costura em conceito e sentido, o “livenodes” fica mais real e flexível como implementação imediata, o sonho das “terras livres” já povoa algumas mentes cruciais e lentamente se estrutura (como sempre, emerge), e as relações entre “nartisan” de vertentes e raízes diversas se entrelaçam. No meio disso tudo, eu me rearranjo. E continuo, turbilhão de esperança.
Vocês são incríveis.
Este é o Vale da Lua, uma região de pedregulhos-lunares gigantes esculpidos por água-tempo. Um dos lugares onde vivi-viajei na companhia da trupe multi-etnia
de sorrisos coloridos. Trupe composta naquele momento por novos trutas,
incluindo a doçura-morena de Poa. De sexta a domingo, boiei na
superfície de aventuras tocantes.
Do samba à cachaça, do salto de 7 metros da queda de São Bento à fumaça, do gira-gira do Seu Estrelo e o Fuá do Terreiro
ao conjunto de pífanos cortejando São Jorge às duas da manhã (de uma
madrugada sem fim), pelas vielas entre chapadas mergulhei num mundo
onde a brincadeira mitogênica embasa o circuito social de
simplicidade, carinho e elevação. Dormi entre
personagens-bailarinos-tocadores numa escolinha cujas paredes eram
vivas, da poesia infantil.
Fada Filomena será sempre a rainha do fórro para os calangotrônicos desgarrados-importados de Norte a Sul. Até que um novo mito emerja da molecagem e justifique mais uma torrente-abraço sem limites.
Amanhã pego estrada
Vou pro mato disperso da savana
Reconhecer eu-caminho
Na luz fraca duma cabana
Sabe-se lá o que vem…
Sabe-se lá o que acompanha…
Mas de chuva a sol,
Eu
Talvez alguém
Eu já disse várias vezes que palavras são lágrimas. Viva, sinta, fale. Falando aos ouvidos certos (muitas vezes os seus próprios), o choro letrado lava sua alma.
A vida é curta e as coisas são pequenas. A não ser que a minha
fome sensível diga o contrário. Por exemplo, aquele doce olhar
lânguido-esmeralda costumava se aderir a cada poro solitário da minha
pele, causar turbilhões e desesperos que eu comprava, mesmo se
doía. Mas doeu além do ponto, e agora meus poros precisam ser
apenas poros, e não torrente de energia a queimar… Voltando às
pequenas nuances.. aos novos cheiros, a sorrisos irresistíveis e às
batucadas. Só assim manterei a capacidade de me perder na grandeza dos
detalhes mínimos e vastos de outra alma. Que emerja poesia! 🙂
O amor não se manifesta somente pelo desejo de fazer amor (…), mas
principalmente pelo desejo de sono compartilhado (…). (tirado de um
certo álbum de uma certa vizinha minha)
Sexta-feira começa com hacking do Hélio Costa, continua com trabalhos,
tem ponto alto numa chácara mágica construída pelas mãos da Alice,
termina topando com a razão da minha dor. Hoje tô com alergia a gente,
mas se bobear vou no show de um certo Makossa.
“Isso que eu fabrico: ilusões.
Sabe uma? Tinha a pipa azul caída na
árvore enquanto a preta lá de longe noalto e entre as duas, outras
duas.
Há um significado?
Alma-de-gato me grita na rua. Eu olho e vejo.
Olho e vejo. Muita gente não vê. E daí? Daí que é com esse não ver que eu
fabrico as ilusões.
Gosto de fazer ilusões aparecerem, é um bom
emprego.
Ruim seria se eu tivesse que fabricar desilusões.”
~ Patrícia Reis (minha cara amiga ruiva e caótica de Belo Horizonte)
Mocidade presa
A tudo oprimida
Por delicadeza
Eu perdi a vida.
Ah! Que o tempo venha
Em que a alma se empenha.
Eu me disse: cessa,
Que ninguém te veja:
E sem a promessa
De algum bem que seja.
A ti só aspiro.
Augusto retiro.
Tamanha paciência
Não irei esquecer.
Temor e dolência,
Aos céus fiz erguer.
E esta sede estranha
A ofuscar-me a entranha.
Qual o Prado imenso
Condenado a olvido,
Que cresce florido
De joio e de incenso
Ao feroz zunzum das
Moscas imundas.
~ Arthur Rimbaud
Foram mais de dois mil quilômetros. Horas a fio, enclausurado no
perímetro da poltrona até bastante confortável do ônibus. Chegando lá,
perdido na multidão, só um ponto de encontro o guiava. Aquele entre a
rua e a água. E no meio de barraquinhas e expectativas, muitas
expectativas misturadas, ela inesperava num vestido de vovó, preto com
bolinhas coloridas na lapela. Com seu cabelinho punk rebaixado,
educada como lhe ensinaram… fazendo questão de disfarçar o brilho nos
olhos com um jeitinho do contra que enganava a todos, menos ao que
sentiam amor por ela. Por isso, o primeiro abraço foi mais que um
abraço, foi uma declaração. “Eu sei quem você é, garota! Ri um
pouquinho, vai?” As pernas cansadas vibravam bem dispostas, a cada
quilômetro que gastavam juntos. Não fazia sentido pra ninguém, mas como
poucas vezes sentiram, o calor do outro bastou. Por poucos dias, foram
dois. Eternos, pré-destinados, indispensáveis. Envolvidos sem véus. Sem
medo. Todo um novo mundo a se aventurar.
Mas o que ficou foi apenas o reflexo nas lágrimas que compartilharam
em despedida, num roçar da pele macia e adorável, de um rosto inesquecível. O rosto da companhia.
O avião deixou ali uma vida inteira.
Chegar em casa, ficar só de cueca e ler um quadrinho
esbarrado num canto da sala. Sentar na minha cama coberto com o
endredon que ganhei da Maria no nosso aniversário. Conversar com gente
agradável na Internet. Ter preguicinha de gente por perto.
Silêncio reconfortante. Lembrar de ter passado mais um dia bem, e saber
que produzi o que precisava. Sentir-me agradecido aos céus por ter
alternativas. Gotas de chuva e folhas ao vento. Saias xadrez de
desconhecidas. Cabelos picotados de sorrisos andantes. Sotaque sulista.
Rir na volta do serviço, rodeado DOS amigos.
Ter o que comer. Ter o que dizer. Ter o que viver. Ter o que lembrar.