Produção Multimídia, Narrativas Livres e Ativismo Open-source, por Daniel Pádua
Havia uma margarida no canto da cama. E uma carta.
Papel laranja, texto em preto, escapando pelas dobras.
O odor indicava que alguém havia fodido agora há pouco.
Um espelho. Vi minhas roupas cobertas de pó.
Silêncio.
Caminhei até a cozinha, guiado pelo perfume do café.
Ali não tinha nada. Só uma mesa. Apenas uma cadeira.
O sol fraco da manhã fria embalava tudo em plástico.
Sentei. Abri a carta.
Nela dizia “tens todas as chances”. Mas quem era eu?
Voltei pro quarto. Minhas pegadas amassando o nada.
Mergulhei no espelho.
O cheiro de café perdeu-se no abismo.
Do corpo rasgado rios vermelhos pintaram o céu de mim.
Cardumes dançavam enquanto a languidez tirava o plástico
da realidade. Sereias nuas me observaram, enquanto trançavam
a barba de um ser gigantesco, que não ousei olhar. Montanha-russa.
Vento no rosto. Como a águia em seu mergulho caçador,
ou o metrô de Sampa, impetuoso. Estatelei morto no fundo de algum oceano.
Vi você. Pele fértil. Brotavam doçuras e cores da sua alma.
E eu ali, como um rei. Crianças imitavam meu andar. Você
bailava o ambiente, sorrindo. Tudo se movia levemente.
Uma chave emergiu entre algas. Brilhava tanto que estrelas
sublimaram, róseas, ao seu redor. Soube que era nossa.
Nas minhas mãos, enrijeceu, procurando sua volúpia.
O estômago retorcendo. Todas as vassalas cantando sussurros.
Pernas macias, como raízes de seda. Sua caixa de pandora
de encaixe perfeito. A mão ali, recolhendo o mel dos teus favos.
“Beba” – abençoou a sereia-mãe.
Silêncio.
Tatear com a língua toda uma beleza ancestral, perdida
nas runas do seu mistério. Chorei. Engoli. E você, entreaberta
na perdição, esperando um príncipe feito do meu, do teu céu.
Francisco é sua própria casa, enfeitada com margaridas.
Lembra a mãe. Lembra a montanha.
Cheira a café em manhã fria.
O vento ainda soluça o amor que o espelho refletiu continuamente, secretamente distraído.
3 Responses to A carta
daniel duende
fevereiro 23rd, 2007 at 14:15
que FODA, fi!
daniel duende
fevereiro 23rd, 2007 at 14:17
e você esqueceu DE NOVO de colocar um link para voltar da página de comentários para a página principal do seu blog…
e por falar nisso, acho que vou ter que “scrapear” o template atual do Alriada para fazer o upgrade para o novo blogger. Mas o template simples e bonitinho do Caderno do Cluracão prova que eu já sei me virar bem. Valeu por tudo, fi 😀
Abraços do Verde e… coloca o link de volta pro index do blog, vai. 😀
angelica
fevereiro 26th, 2007 at 22:08
tá tudo aqui.
margaridas, tulipas, sereias, marias.
cheiros e doçuras.
montanhas e estações [de metrô].
tudo impresso em você. 🙂